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Diálogos e interações com as crianças de 0 a 3 anos: desafios para as instituições de educação infantil

Saiba por que o trabalho com as crianças de 0 a 3 anos nas instituições de educação infantil é um desafio na atualidade.

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O trabalho com as crianças de 0 a 3 anos nas instituições de educação infantil é um desafio na atualidade. A partir da compreensão da criança como sujeito de direitos e da educação infantil como primeira etapa da educação básica, algumas idéias que dão suporte às práticas com os pequenos têm sido questionadas a mudar de forma.

Ao longo da nossa história, a creche foi considerada como “mal necessário”, ou seja, a solução possível para atender as crianças de 0 a 3 anos, tendo em vista o trabalho da mãe fora do contexto familiar. Tratava-se de um espaço para o cuidado individualizado; especialmente focado na higiene e nas necessidades básicas da criança (alimentação, saúde, sono etc.), geralmente em busca de substituir a atenção materna. Por outro lado, na história do trabalho com bebês e crianças até 3 anos, percebemos uma tendência no sentido de aproximar a educação da instrução, centrada na preparação para a pré-escola, por meio de trabalhos mimeografados ou atividades de prontidão motora (segurar o pincel adequadamente, movimentarem-se da “forma correta” etc.).

O final do século XX inaugura reordenações de princípios. A Constituição de 1988 e a LDB de 1996 garantem o direito das crianças à educação infantil. Em 1998, o Conselho Nacional de Educação (CNE) formula e o Ministério da Educação (MEC) homologa as Diretrizes Curriculares Nacionais, estabelecendo a preocupação com a qualidade do trabalho neste segmento.

 Depois, destaca-se também a publicação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (vols. 1, 2 e 3), situando esta etapa da educação básica como lugar de construção da identidade e da autonomia, baseadas em relacionamentos seguros e aconchegantes. Além disso, a educação infantil deve ser focada no desenvolvimento da ética e da estética.

Mais recentemente, o MEC elaborou, em parceria com os sistemas, os seguintes documentos: Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de 0 a 6 anos à educação; Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil e Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. Todos estes documentos estão comprometidos com a garantia de espaços, de rotinas e de relacionamentos seguros e afetuosos com os bebês e com as crianças pequenas.

Portanto, a partir destas novas perspectivas, o trabalho nas instituições de educação infantil, ao invés de substituir os cuidados maternos ou preparar as crianças para a escola, passa a focalizar a própria criança em seu desenvolvimento presente, nas relações dela com outras crianças e com sua realidade cultural.

No contexto atual, surge a questão: quais são os caminhos concretos na construção destas instituições, especialmente as que atendem bebês e crianças pequenas, como espaços que garantam o direito à brincadeira, ao aconchego, à expressão, dentre outros princípios definidos nos critérios nacionais para um atendimento de qualidade?

Autores do campo da psicologia histórico-cultural, tais como Wallon e Vygotsky contribuem com seus estudos na busca de alternativas para este atendimento. De acordo com os autores, a criança constrói sua singularidade, o seu “eu”, no contato com adultos, com outras crianças, com objetos, palavras e significados que circulam ao seu redor. Elam internaliza as regras sociais e recria essas regras em suas ações.

Por exemplo, se chega perto de um parceiro e arranca um brinquedo da mão dele, está em busca de satisfazer suas necessidades próprias. Quando o adulto aproxima-se e diz “não pode” ou “vamos pedir emprestado”, ingressa a criança em um mundo de regras e de consideração do coletivo. Pouco tempo depois, poderemos vê-la puxar de novo o brinquedo da mão do parceiro e olhar para o adulto, em busca da confirmação da regra, ou ensaiar a expressão “me empresta”, em diferentes situações.

Em um ambiente onde partilhar, trocar e conversar são práticas cotidianas nas quais as crianças se envolvem, provavelmente poderemos notá-las ofertando objetos entre si e experimentando contatos visuais e corporais. Isso coloca o adulto-educador no lugar de mediador do contato da criança com o coletivo e os significados culturalmente dominantes. O desafio é: como ocupar esse lugar, deixando também emergirem os significados (re) criados pelas crianças, os sentidos que ela constrói sobre o mundo?

Bondioli e Mantovani (1998) são autoras italianas que nos ajudam a refletir sobre as peculiaridades dos relacionamentos com bebês e crianças pequenas. Colocam luz sobre o envolvimento da criança pequena em rituais comunicativos, tais como oferta de objetos, imitação, vocalização frente a frente, sincronismo de gestos, circunscrevendo a creche como espaço relacional.

Segundo elas, no lugar de apenas prestar assistência e observar passivamente as descobertas infantis, o educador é convocado a estabelecer mediações na relação da criança com o mundo, possibilitando vínculo positivo dela com o processo de exploração do que a cerca. Dialogando com as crianças, respondendo aos seus sinais, evocando suas respostas, tocando-as e sendo tocado, o adulto facilita a apropriação por parte das crianças do funcionamento social.

A imitação é um movimento relacional típico e intenso na relação entre os bebês e deles com os adultos. Muitas vezes, se um bebê chora, o outro chora também. Se um se olha no espelho e bate as mãos neste objeto, outro bebê que está por perto, contagia-se com essa ação, repetindo-a. Imitar é uma ação só possível na relação com o outro; é um “dar-se conta” da presença do outro.

Para Vygotsky (1989), as crianças podem imitar uma variedade de ações que vão muito além dos limites de suas próprias capacidades. Ou seja, a imitação cria possibilidades novas para a criança, abrindo-a para ações que nascem no outro, mas que se tornam dela a partir daquele instante. Isso acontece quando a imitação é iniciada pela criança (e não como imposição do adulto). Em algumas cenas do cotidiano das creches, é possível perceber os adultos incitando as crianças a “imitarem”. Por exemplo, quando mostram uma figura de um cachorro e pedem “vamos fazer igual ao au au”. Nestes casos, não se trata da imitação propriamente, mas do atendimento a uma solicitação do adulto.

O gesto de apontar é outro comportamento comum como manifestação da comunicação pré-verbal da criança. Vygotsky estuda este gesto como indicador da origem do processo de constituição sociocultural das crianças.  Sobre isso, ele diz que inicialmente esse gesto não é nada mais que uma tentativa sem sucesso de pegar alguma coisa; mas, quando o adulto vem e ajuda a criança, notando que o seu movimento indica algo, a situação muda; o apontar torna-se um gesto para os outros. Então, pegar um objeto transforma- se em apontar, pela leitura que o adulto faz da ação da criança.

É na atenção aos pequenos gestos cotidianos dos bebês e das crianças pequenas que se realiza o papel do educador, que pode favorecer as imitações que a criança inicia, nomear movimentos, buscar seus significados, com cuidado para não invadir e atropelar os sentidos que elas próprias dão às suas experiências. Desenvolver responsabilidade no contato com os bebês significa dar respostas congruentes e responsáveis aos seus gestos, olhares, sorrisos e movimentos, compartilhando significados, ingressando- os no coletivo. A conquista da segurança nas relações é o alicerce da constituição de autonomia e de identidade por parte do bebê, do menino e da menina. Portanto, é importante que se sintam reconhecidos e incentivados pelo educador, o que ocorre na resposta aos seus sorrisos, gestos e primeiras palavras.

O desafio que se coloca é observar, organizar espaços, tempos e materiais, acompanhar e responder às crianças sem antecipar suas conquistas ou fechar rigidamente sentidos a respeito de suas explorações.

REFERÊNCIAS

BONDIOLI, Anna; MANTOVANI, Susanna (orgs). Manual de Educação Infantil – de 0 a 3 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

DIDONET, Vital. Creche: a que veio? Para onde vai?. Brasília: Em Aberto, v. 18, n.73, p 11-27, julho, 2001.

VYGOTSKY, L. S. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

WALLON, Henri. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1988.


Publicado por: Olavo Fernando Tamburus

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